segunda-feira, 23 de março de 2009

Delação premiada

Diante do clima de insegurança pública que há tempos paira sobre o país, o legislador – na tentativa de achar uma solução para a diminuição da criminalidade, que gradativamente vem adquirindo novas feições – introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da delação premiada, que consiste na confissão, pelo acusado, da sua participação e do seu bando em crimes, beneficiando-se assim com a redução da pena ou o perdão judicial.

Em termos práticos, não basta a mera delação para que o criminoso se beneficie. A delação deve resultar na prisão ou desmantelamento da quadrilha.

Os críticos da delação premiada afirmam que a introdução desse instituto no Direito brasileiro é a demonstração da ineficácia do Estado no combate as mais diversas modalidades de ação criminosa.

Muitos entendem que, sob o aspecto jurídico, a delação rompe indiretamente com o princípio da proporcionalidade da pena, já que se punirá com penas diferentes pessoas envolvidas no mesmo crime e com idênticos graus de culpabilidade.

Alguns juristas, no entanto – com base em experiências bem sucedidas em países como a Itália e os Estados Unidos – afirmam que a delação é um bom instrumento contra o crime organizado.

Nenhuma das seis leis que tratam do tema – Lei dos Crimes Hediondos, Lei do Crime Organizado, Código Penal, Lei de Lavagem de Capitais, Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas e Lei Antitóxicos — fala das regras para fechar o acordo de delação premiada.

A falta de limites e parâmetros para aplicá-la dá margem a diversos tipos de interpretação e questionamentos. Quem pode propor o acordo de delação premiada? O juiz, o promotor ou o delegado? Esta é uma resposta que a legislação brasileira não dá.

As indefinições acabam causando uma sensação de insegurança entre os advogados, que acham que o instrumento não vai dar certo até que haja uma legislação específica para tratar do assunto.

Muitos profissionais de advocacia defendem que apenas o juiz proponha acordo de delação premiada. Delegados e representantes do Ministério Público – por não terem como garantir benefícios – não poderiam fazê-lo. Além disso, o instrumento deve ser o meio de encontrar provas para a condenação, e não o fim.

Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a delação premiada precisa de fiscalização, embora possa salvar uma vida em caso de sequestro, desbaratar uma quadrilha e ser útil nos crimes contra a ordem econômica.

A entidade chama atenção para a possibilidade do instrumento se prestar a todo tipo de desvirtuamento, como o investigador forçar o preso a dizer até o que não sabe ou não fez.

A Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei 9.807/99, artigos 13, 14 e 15) é a mais aplicada no uso do instrumento. O colaborador que for preso deve ficar em prisão separada e, nos casos em que se beneficiar do perdão, pode se inscrever no programa de proteção à testemunha, se estiver sendo ameaçado.

Um acordo entre o delator e o Ministério Público deve ser assinado antes de se levar a ação ao juiz. No documento, devem constar como o réu se dispõe a ajudar e quais os benefícios o promotor de Justiça vai propor ao juiz. Nem sempre o acordo é aceito pelo Judiciário.

Não há um procedimento estabelecido em lei para fechar o acordo. Os limites para que o juiz aceite a proposta de redução da pena ou perdão judicial, apresentada pelo Ministério Público, também não são claros. A única certeza é que, com as informações do delator, é preciso que provas sejam encontradas. A partir daí, cada juiz faz do jeito que acha melhor.

Muitas vezes, antes mesmo que o preso tenha um advogado, o delegado propõe um acordo de delação premiada. A delação, nestes casos, é muito questionada porque o delegado não pode dar garantias ao acusado. Há um perigo de manipulação do preso e vice-versa.

A verdade é que vem se criando no Brasil um terreno movediço sujeito a toda sorte de imprecisões e infortúnios em torno da delação premiada, tornando-a muito perigosa por poder gerar uma prova frágil e ensejar um resultado falso. São grandes os riscos de policiais fazerem falsas promessas e usarem a prisão como moeda de troca, quando não podem garantir a liberdade.