Sálvio Dino de Castro e Costa Junior*
No mundo inteiro, apresentam-se como graves problemas para as sociedades civilizadas os casos de violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes. De acordo com um estudo da ONU (2006), estima-se que há cerca de 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos menores de 18 anos que são submetidos a relações sexuais forçadas ou outras formas de violência ou exploração sexual.
Por aqui, em nossa casa, avolumam-se os casos diariamente registrados como uma verdadeira chaga que insiste em permanecer aberta. Do Recife, chegou ao conhecimento caso de estupro praticado por padrasto que levou uma criança de 9 anos de idade a sofrer um aborto em face do elevadíssimo risco de morte. De Carutapera, no Maranhão, adveio a notícia recente de que um pastor da igreja “Assembléia de Deus da Amazônia” teria confessado que abusou sexualmente diversas crianças de oito, nove, onze e doze anos de idade, que frequentavam os “cultos religiosos” naquela cidade.
Tais constatações exigem que, em todas as Nações, o aparelho estatal e a sociedade civil ajam no enfrentamento à violência, ao abuso e à exploração sexual contra crianças e adolescentes com muito mais ênfase.
Por esta razão, o direito internacional público tem ampliado a edição de normas com mandados expressos de criminalização de condutas que acarretem violações de direitos humanos, como as ora referidas. Cada vez mais os Estados comprometem-se, por meio de tratados e convenções internacionais, a investigar e punir criminalmente os autores de delitos que desrespeitam as normas de proteção dos direitos humanos, notadamente as que se referem às crianças e aos adolescentes.
Em Portugal, diante do crescimento do número de casos, a Assembléia da República aprovou recentemente projeto de lei que prevê que o registro criminal de abuso sexual de menores de idade e violência doméstica deve perdurar por mais 20 anos após a extinção da pena. Registra-se, ainda, que a Convenção do Conselho da Europa contra os Abusos Sexuais, a qual Portugal aderiu em outubro de 2007, está a exigir que os Estados garantam que os candidatos a profissões que envolvam o contato regular com crianças não tenham sido condenados por crimes de abuso ou exploração sexual de crianças. Ambas são medidas de proteção de elevado destaque.
No Brasil, em março de 2004, após o Congresso Nacional aprovar o texto do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, o Presidente da República editou o Decreto nº 5.007 em que o Governo se compromete a dar fiel cumprimento e execução àquele documento internacional. Na mesma linha, o Parlamento acelerou a aprovação de projetos que atualizam a legislação penal afeta a crianças e adolescentes.
Com efeito, o art. 3º do referido Protocolo Facultativo emite claríssimo mandado de criminalização para que todos os Estados Partes adotem medidas internas em suas legislações de modo a perseguir e punir os delitos, com sanções apropriadas, no que se refere à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil.
A legislação brasileira, como dito, tem evoluído neste aspecto. Destacam-se, por oportuno, as profundas atualizações dos arts. 240 e 241 do ECA implementadas por meio da Lei Federal n.º 11.829/08.
Ampliou-se o rol dos núcleos verbais do tipo penal previsto no art. 240, do ECA, que trata da utilização de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica, para envolver não apenas quem produzir, dirigir ou contracenar, mas também quem reproduzir, fotografar, filmar ou registrar por qualquer meio tais cenas, fixando melhor as circunstâncias agravantes, e elevando-se ainda mais a pena base para tal delito.
Da mesma forma, alterou-se a redação de origem do art. 241 para sancionar, de modo mais preciso, as hipóteses de difusão da pedofilia por meio de fotografia, vídeo ou outro registro, inclusive na rede mundial de computadores, que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo crianças ou adolescentes, com causas específicas de aumento de pena e ampliação do tipo penal. Frise-se, nesse tocante, a tipificação da conduta de adquirir, possuir ou armazenar material oriundo de pedofilia, como previsto no art. 241-B, do ECA.
Pende ainda de aprovação no Senado Federal o PLC 35/07, fruto dos trabalhos da CPMI da Exploração Sexual (2003/2005), que altera o procedimento de inquirição judicial de crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas em casos de crimes contra a dignidade sexual, com o objetivo de proteger a integridade física e emocional da criança depoente, face às sucessivas inquirições nos âmbitos civil, penal e administrativo, evitando-se, assim, sua “revitimização”.
Tais alterações, as que já estão em vigor e as que ainda aguardam apreciação do Senado, são por demais importantes e vem ao encontro dos mandados trazidos pelo direito internacional referente à proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Entretanto, para além do aperfeiçoamento legislativo, precisa-se investir e aprimorar mais fortemente as ações de investigação e julgamento dos atos que envolvam abuso e violência sexual contra crianças e adolescentes.
No Brasil, é preciso fortalecer os conselhos tutelares; investir na melhoria das condições de perícia técnica, inclusive psicológica; aparelhar e capacitar as polícias; criar mais varas judiciais especializadas, entre outras medidas necessárias. Só assim o Estado se aproximará dos objetivos almejados por todos: o fim da impunidade nos crimes contra crianças e adolescentes.
* Sálvio Dino de Castro e Costa Junior é advogado. Foi Secretário de Estado de Direitos Humanos e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Maranhão. (salvio@salviodino.com.br)