segunda-feira, 13 de abril de 2009

Prisão especial

Vista por alguns como privilégio de uma minoria dentre os 450 mil detentos brasileiros, a prisão especial caminha praticamente para a extinção no país. Por meio de um projeto de lei complementar (PLC 111/2008) enviado ao Congresso Nacional pelo Executivo Federal e com a apresentação de emendas parlamentares, as bancadas do governo e oposição aceleraram e aprovaram, no Senado, o fim do direito, regulamentado pelo Decreto nº 38.016, de 1955. O texto original do projeto – que sofreu várias reformulações - foi elaborado por uma comissão de juristas formada por Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Miguel Reale Júnior.

O projeto vai agora ser apreciado pela Câmara dos Deputados. Se for aprovado naquela casa legislativa e receber, posteriormente, a sansão presidencial, apenas o presidente da República, ministros de tribunais, juízes, promotores de Justiça, procuradores da União e presos que correm risco de morte terão direito a ficar em celas especiais. O privilégio aos membros do Ministério Público e aos magistrados está consignado em leis complementares e estas, hierarquicamente, não podem ser alteradas por projetos de leis ordinárias.

Mesmo se o projeto for sancionado, os advogados acusados criminalmente continuarão tendo o direito de ficarem presos em sala de Estado Maior ou, na ausência dela, prisão domiciliar, até o trânsito em julgado da sentença condenatória. A prerrogativa está assegurada no Estatuto da Advocacia (Lei Federal 8.906/94) que, por ser uma lei especial, sobrepõe-se a lei geral, conforme entendimento já consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF), que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1127 declarou constitucional o inciso V, do Artigo 7, do Estatuto da Advocacia.

Ressalte-se ainda que Sala de Estado Maior não se confunde com prisão especial e qualquer lei que venha alterar o Código de Processo Penal – disciplinando a prisão especial – não pode ser aplicada para os advogados. A lei incidente será sempre o Estatuto da Advocacia, uma vez que a interpretação que deve prevalecer nos tribunais é de que havendo conflito entre lei geral e a lei especial, aplica-se o disposto na lei especial nas situações nela previstas.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma que a prisão especial deve, sim, ser exceção, mas lembra que o juiz tem que estar atento à profissão daqueles que ficarão encarcerados em prisão comum, sob pena de mandar muita gente à morte. Algumas profissões, pela especificidade, se constituem um verdadeiro risco para a pessoa caso esta venha a ser colocada junto a presos comuns, já condenados.

Durante a análise do projeto na Câmara dos Deputados, a OAB vai tentar restabelecer alguns dos pontos do texto anterior da proposta para evitar que a prisão temporária ponha em risco a vida de pessoas que militam em determinadas profissões.

O projeto torna mais caro o instituto da fiança, cujo valor poderá chegar a R$ 93 milhões, dependendo da situação econômica do preso. O valor provocou indignação no meio jurídico, que classifica como demagógica a medida, que vem sendo defendida pelo Ministério da Justiça.

O teto originalmente proposto pelo Executivo foi de R$ 9,3 milhões, um décimo do valor no qual a fiança agora pode ser arbitrada. Para a OAB, se a fiança for fixada num patamar muito alto, não poderá ser paga. O valor estabelecido pelo projeto é extravagante até para os padrões internacionais, sendo, na verdade, uma negativa à liberdade.

Na realidade, o projeto estabelece que a fiança pode variar de 1 a 200 salários mínimos, de acordo com a pena atribuída à infração ou ao crime cometido, mas prevê que o juiz poderá dispensá-la, reduzi-la em até dois terços ou aumentá-la em até mil vezes – o que, pelos valores de hoje, pode elevá-la a R$ 93 milhões.

O projeto – que sistematiza e atualiza o texto do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.698/41), no que se refere à prisão, às medidas cautelares e à liberdade provisória – estabelece ainda a necessidade de a prisão ser comunicada ao Ministério Público, além de aumentar de 70 para 80 anos a idade para que uma pessoa possa cumprir pena em prisão domiciliar. A prisão especial será decidido por autoridade judicial ou, na caso de prisão em flagrante, pela autoridade policial.

Entre as mudanças trazidas pelo projeto está também a imposição de um limite de 180 dias para a prisão provisória antes de cada julgamento de primeira e segunda instância. A regra não vale se o magistrado entender que a demora se deve a uma estratégia da própria defesa do acusado. Os presos provisórios deverão ser separados dos demais. A atual redação do Código de Processo Penal prevê que a medida terá que ser aplicada "sempre que possível".

Hoje, a lei não estabelece nenhum limite para a prisão provisória. O Brasil tem 131 mil presos nessa condição, conforme relatório do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o mais recente. O número corresponde a 34% da população carcerária do país.

Atualmente, a prisão especial é um direito concedido a um grupo restrito de pessoas, como ministros, governadores, parlamentares, prefeitos, membros das Forças Armadas, integrantes do Ministério Publico e tribunais de contas, além de cidadãos com ensino superior ou que já tiveram exercido efetivamente a função de jurado. O privilégio de permanecer em uma cela especial é válido somente até a decisão final da Justiça. Depois de condenado, o preso passa o ocupar o mesmo espaço de outros detentos – exceto aqueles casos cuja convivência com outros apenados pode comprometer a integridade física do réu.

Pela lei em vigor, a prisão especial prevê o recolhimento do suspeito em um prédio que não seja a prisão comum, quando disponível. Se não houver um estabelecimento específico para o preso especial, ele será colocado em uma cela separada na prisão comum. Segundo a Lei Federal nº 10.258, de 2001, a cela especial poderá ser um alojamento coletivo, com "aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana". A mesma lei prevê que o preso especial não pode ser transportado com o preso comum.