quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Cultura da brutalidade

A persistência da prática de tortura em presídios – onde já é norma que agentes públicos espanquem, castiguem e humilhem detentos – continua manchando nossa democracia. Apesar de o país ter ratificado a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, ter criado lei específica que torna a mesma crime e ter uma avançada Constituição que a repudia, essa prática inaceitável ainda faz parte da dinâmica do trabalho no cotidiano das prisões, que funcionam sob um clima de terror e ameaça constante, sendo verdadeiras bombas-relógio.

No Maranhão, a prática de tortura – tendo como vítimas detentos despejados em centros de detenção que, ao invés de ajudar na recuperação e ressocialização dos mesmos, funcionam como verdadeiras escolas do crime – está cada vez mais presente, exigindo medidas enérgicas contra a impunidade dos torturadores, principal motivo do aparecimento renovado desses casos, denunciados amplamente pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Conforme reconhece a própria Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto ocorrer a im­punidade, a prática de tortura vai persistir, vez que ela é um “crime de oportunida­de”, que pressupõe a certeza de que nada acontecerá com aqueles que a praticam. Nesse sentido, é necessário criar mecanismos que eliminem a ‘oportunidade’ de torturar, agindo com rigor na hora de inves­tigar, processar e punir seus perpetradores.

Infelizmente, a tortura acontece sob a tutela do Estado. O Poder Judiciário, por sua vez, não prioriza os procedimentos para contê-la aplicando rigorosamente a lei para punir os seus praticantes. É preciso um maior comprometimento das autoridades com a questão, para que estas não se tornem cúmplices do caos instalado hoje no sistema prisional.

O Executivo não pode tolerar que seus agentes torturem presidiários, que suas unidades prisionais sejam degradantes, com condições de encarceramento aviltantes, com a super­lotação, ausência de assistência médica, péssimas condições de higiene, insalubridade das celas, dentre outros.

Os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público – que ainda fiscalizam e controlam o funcionamento do sis­tema carcerário muito timidamente – não podem aquietar-se diante dos absurdos que tornam as prisões desumanas, cujas condições precárias acabam incentivando rebeliões sangrentas, geralmente com final trágico e desdobramentos imprevisíveis.

O quadro se agrava ainda mais com a constatação da incapacidade do próprio aparelho estatal em controlar ou diminuir, dentro dos presídios, a onda de violência e as movimentações do tráfico de drogas.

Estamos novamente numa encruzilhada. Se não forem feitas alterações sérias nas políticas de segurança do sistema carcerário chegaremos ao estado de inviabilidade, com a perda do controle institucional, fortalecendo o poder paralelo do narcotráfico que já atua livremente nos presídios maranhenses. Aliás, o nosso sistema prisional tornou-se um mercado privilegiado do narcotráfico. Só no Centro de Detenção de Pedrinhas são introduzidos mais de 20 quilos de drogas ilícitas por mês, inclusive cocaína.

Os presídios maranhenses tornaram-se também um campo aberto para a criminalidade. Até hoje não se sabe a razão de tantos homicídios no interior das unidades prisionais de São Luís. Não há nenhuma investigação que aprofunde os motivos e as circunstâncias dos assassinatos. O mais estranho é que as principais testemunhas são abandonadas à própria sorte, muitas vezes sob a custódia dos próprios implicados nos crimes.

É necessário uma mudança de paradigmas, o que requer muito esforço e compromisso do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público. A OAB, a sociedade e as instituições bradam por soluções, com a implementação de ações que tragam resultados satisfatórios e duradouros. Isso vai depender de reformas e mudanças profundas no nosso sistema carcerário.