segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Julgamentos polêmicos

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a missão de decidir no primeiro semestre deste ano sobre vários temas polêmicos que deverão gerar debates acalorados no meio jurídico e na sociedade. A pauta de julgamentos da maior Corte de Justiça do país inclui o sistema de cotas em universidades, a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, o poder de investigação do Ministério Público, a conta dos expurgos inflacionários da década de 80 e 90, a união homossexual estável, a distribuição de remédios e custeio de tratamentos não cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de questões político-eleitorais, como, por exemplo, quem deve assumir o governo no caso de cassação do chefe do Executivo nas esferas municipal, estadual e federal.

A discussão sobre a política de cotas nas universidades públicas começa em março. O assunto é discutido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e no Recurso Extraordinário 597.285, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, que resolveu convocar audiências públicas para tratar do tema. Há vários argumentos contra e a favor do sistema de cotas, o que não deixa de ser um ponto positivo, por gerar um debate importante num país onde a prática de racismo ainda é muito presente no atual sistema social, construído com base na tradição escravocrata, genocida e autoritária, herdada do poder colonialista e reforçada por um Poder Judiciário omisso, quando não cúmplice.

Aqueles que se posicionam contrários ao sistema de cotas, desfraldam a bandeira de que “todos são iguais perante a lei”, e que o ingresso em universidade pública é uma questão de competência. Estes, porém, esquecem que é vastíssimo o débito do nosso país em relação aos negros, que até os dias de hoje carregam o estigma do regime escravocrata que tisnou de horror a história brasileira, vez que extinto o regime de escravidão não foi ele conjugado de medidas governamentais que possibilitasse aos alforriados legítimas condições de integração social, resultando disso uma camada de excluídos na base da pirâmide social, cuja estrutura primária é integrada fortemente por afrodescendentes.

Conforme já afirmava, em 2004, o ex-membro efetivo da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o saudoso Antonio Alborghetti, o sistema de cotas para os negros nas universidades públicas, não oblitera a norma aplacentada no artigo 5º da Carta Política, que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Portanto, garantir um tratamento mais benéfico aos afrodescendentes no Brasil é prestar um devido tributo aos desiguais e não significa – como muitos querem fazer acreditar – afrontar o princípio da isonomia.

O processo sobre o aborto de fetos anencéfalos, por sua vez, deverá ser julgado também em março e conta com as manifestações de todos os interessados no tema — igreja, médicos e cientistas. A ação em favor do aborto de fetos anencéfalos foi ajuizada no STF em junho de 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que sustenta que não há aborto nestes casos e sim a antecipação terapêutica do parto. A igreja, no entanto, contesta os argumentos afirmando que a vida começa na concepção e que, por isso, os anencéfalos têm o mesmo direito à integridade que os demais bebês.

A discussão sobre o aborto de fetos anencéfalos oferece a oportunidade para se saber qual o alcance da laicidade entre os brasileiros, até que ponto o Estado laico permite a interferência e a imposição dessa ou daquela confissão religiosa, dos seus pontos de vista, dos seus preconceitos, da sua visão de mundo nas políticas públicas. No Brasil, o aborto é considerado crime, exceto em duas situações: estupro e risco de vida materno. Ele é praticado no país por quase um milhão de mulheres em condições clandestinas e inseguras. A maior parte é constituída por pessoas pobres que se valem de métodos às vezes letais para elas próprias, como as garrafadas, talos de mamona e até agulhas de crochê.

A competência do Ministério Público para investigar em matéria criminal é outro assunto que deverá gerar um acirrado debate no STF, onde chegam muitos pedidos de Habeas Corpus requerendo a anulação de ações penais com base em investigações feitas pelo MP. O ponto central da discussão será o Habeas Corpus 84.548, apresentado pela defesa do acusado de ser o mandante do assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal irão discutir ainda em 2010 outros assuntos polêmicos como, por exemplo, a união homossexual estável. O ministro Carlos Britto é o relator do processo no qual o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, pede que casais homossexuais tenham a união estável reconhecida da mesma forma que casais do sexo oposto.

No julgamento sobre a conta dos expurgos inflacionários, o STF deverá dizer se vai deixar o débito para os contribuintes ou se vai obrigar os bancos a pagarem cerca de R$ 100 bilhões referentes a diferenças de correção das cadernetas de poupança causadas pelos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). A decisão será tomada na ação em que a Confederação Nacional do Sistema Financeiro pede que o Supremo reconheça a constitucionalidade dos referidos planos.

Ainda em 2010, o STF deve fixar as diretrizes para atender os casos de saúde emergenciais da população. Ou seja, obrigar o Estado a pagar medicamentos e tratamentos que não estão na lista de cobertura do Sistema Único de Saúde. O certo é que o cidadão não pode morrer à espera de uma decisão burocrática de incluir ou não determinado remédio na lista do SUS.

Com a onda de cassações de governadores no país, é visto com muita expectativa o julgamento da ação na qual o PSDB pede que sejam sempre convocadas novas eleições nos casos de cassação de chefes do Poder Executivo – prefeitos, governadores ou o presidente – uma vez que a regra que vem sendo utilizada pelo TSE é dar posse ao segundo colocado. Os tucanos pedem ao Supremo que fixe a seguinte orientação: seja qual for o motivo da nulidade das eleições e, independentemente de ter ocorrido em dois turnos, se a maioria dos votos for anulada, os eleitores devem voltar às urnas.