Nos seus 21 anos de vigência, a Lei Caó (Lei nº 7.716/89) – que definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor – não foi capaz de resolver o problema do racismo, uma vez que o Judiciário e a polícia nem sempre aplicam a medida no Brasil, onde mais de dois terços da história foi sobre regime de escravidão.
A Lei Caó – de autoria do deputado Luiz Alberto Caó - regulamentou o artigo 5º da Constituição Federal, que tornou o racismo crime inafiançável e imprescritível. Praticar, induzir ou incitar a discriminação passou de uma contravenção (ato delituoso de menor gravidade que o crime) – como constava da Lei Afonso Arinos (Lei 1.390/51) – a crime com pena de um a cinco anos de prisão.
O texto de 1989, originalmente restrito a preconceitos de raça ou de cor, e ampliado em 1997 para abranger também discriminações motivadas por etnia, religião ou procedência nacional, definiu como crime sujeito a pena de prisão, entre outros, o ato de, por motivo de raça ou cor, recusar ou impedir acesso de pessoas a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. No artigo 14, por exemplo, é instituída a pena de dois a quatro anos de prisão para quem impedir ou criar obstáculo por qualquer meio ou forma a casamento ou convivência familiar ou social por motivo racial.
Já em 1990 o Congresso aprovou a lei 8.801/90 que explicita os crimes praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.
Para atualizar a Lei Caó e a legislação subseqüente sobre o assunto, em 1997 o senador Paulo Paim propôs – e o Congresso aprovou – a Lei 9.459/97. A norma estabelece pena de um a três anos e multa para os crimes de praticar, induzir, ou incitar o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena é a mesma se qualquer desses crimes é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.
No parágrafo primeiro do artigo 20, a lei especifica o crime de fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.Também autoriza o juiz da causa a determinar o recolhimento imediato ou a busca e apreensão de material com propaganda racista e a cessação de qualquer transmissão por rádio, televisão ou internet de conteúdo discriminatório.
A Lei 9.459/97 agravou o crime de injúria, ofensa à dignidade ou decoro de alguém (Código Penal, art. 140) quando essa consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. A pena prevista para esse crime é prisão de um a três anos e multa.
A tipificação, no entanto, continua sendo ainda o maior problema. O racismo institucional está distante do racismo grosseiro, bizonho previsto na lei. Tem as sutilezas da cordialidade, por isso, não é fácil de ser visto, tipificado. Com isso, verifica-se a inexistência de condenações pela prática de racismo. Ou seja, mesmo com o arcabouço legal estimulado pela Constituição de 1988, a Justiça não está sendo capaz de tratar da forma adequada o crime de racismo.
A constatação é de que existe resistência do próprio Judiciário em cumprir a função que a Constituição Federal lhe atribuiu. Vários estudos demonstram que a raça pode influenciar nos resultados dos processos judiciais, criando dificuldades para que práticas racistas sejam exemplarmente punidas. Estatísticas apontam que 40% dos processos de acusação por prática racista têm os seus méritos considerados improcedentes pelos juízes na primeira instância. Na segunda instância, 57,7% dos réus acusados de racismo levam vantagem nas ações.
Muitos magistrados reputam o racismo a coisas muito pouco concretas e resistem a qualquer pedido de reparação de direitos coletivos em processos, não reconhecendo a questão como problema nos votos e nas declarações orais.
Há uma dificuldade em entender a discriminação racial como fenômeno cultural e reduz-se o racismo a causas individuais ou a causas que não geram responsabilizações, apesar de o Brasil já ter sido condenado publicamente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2006 por omissão das autoridades públicas e impunidade em um caso de discriminação racial.