terça-feira, 14 de setembro de 2010

Bicentenário da independência não empolga população mexicana

Há ônibus do bicentenário. Estradas do bicentenário. Uma maratona do bicentenário. Uma música do bicentenário. Uma biblioteca digital do bicentenário. Um videogame do bicentenário. E até mesmo um pássaro do bicentenário, o trogan-mexicano, e uma planta, o agave-coruja. E é claro que não poderia faltar a extravagância dos shows de fogos de artifício do bicentenário, que foi planejada para ser a maior na história do país.

Mas o que parece estar faltando no México é entusiasmo pelo bicentenário.

Por um infortúnio do destino, neste momento em que aproxima-se o aniversário de 200 anos do início da rebelião mexicana contra a Espanha, que será comemorado na próxima quinta-feira (16), o estado de espírito do país caiu para o patamar mais baixo dos últimos anos.

Uma guerra de quatro anos envolvendo o narcotráfico já custou mais de 28 mil vidas e alastrou-se para regiões do país que antigamente eram tranquilas. Por exemplo, na noite do último domingo, na cidade de Puebla, no centro do país, fuzileiros navais fortemente armados capturaram Sergio Villarreal, conhecido como “El Grande”, o líder do cartel de drogas de Beltran Leyva.

A cidade mais violenta, Ciudad Juarez, que faz fronteira com a cidade estadunidense de El Paso, cancelou o seu espetáculo de fogos de artifícios em comemoração ao centenário devido a preocupações com a segurança. E pelos menos 24 outras cidades fizeram o mesmo.

Grande projetos públicos para a comemoração da data, incluindo o próprio monumento do bicentenário, a Estela de Luz, um obelisco de quartzo da altura de um prédio de 30 andares, na capital mexicana, não serão concluídos a tempo para o grande dia.

Uma pesquisa de opinião pública divulgada na semana passada pelo jornal “Reforma” revelou que não é grande o apoio popular à comemoração governamental aqui na capital, e diversos críticos sugeriram que as dezenas de milhões de dólares – só o monumento custará US$ 53 milhões (R$ 91 milhões) – seriam mais bem empregadas em escolas, no sistema de saúde e em outras áreas sociais prioritárias.

“Nós estamos de luto”, diz Ricardo Valdez, 53, um trabalhador que passava pela histórica Zocalo, a vasta praça principal da Cidade do México, na qual os trabalhadores estavam atarefados na última quinta-feira montando andaimes, palcos e decorações para a comemoração. “Olhem só todo esse gasto inútil”.

Porém, este é o México, onde, conforme observou certa vez Octavio Paz, o poeta mexicano ganhador do Prêmio Nobel, “qualquer ocasião para as pessoas se reunirem servirá de pretexto para deter o fluxo do tempo e celebrar homens e eventos com festivais e cerimônias”.

O governo ainda espera que dezenas de milhares de pessoas encham a fortemente policiada Zocalo, conforme ocorre em todo dia da independência, e talvez um número ainda maior assista a uma parada até a praça.

O ponto alto das comemorações, que também celebram o centésimo aniversário da Revolução Mexicana, será uma série de espetáculos na noite de quarta-feira (15/09), incluindo um coreografado por Ric Birch, organizador das cerimônias das olimpíadas de 1992 e 2000. O objetivo é fazer uma festa para todas as idades, com dança, um show aéreo acrobático e apresentações de celebridades, incluindo os populares Tigres del Norte.

Como sempre, o presidente dará o grito tradicional, ou grito da independência, para a multidão pouco antes da meia-noite.

O ministro da Educação, Alonso Lujambio, cuja pasta está administrando os eventos do bicentenário, reconhece as dificuldades para realizar tal comemoração neste momento.

“O México está passando por momentos difíceis, é verdade”, disse ele em uma entrevista. “Por causa disso, tem gente que acha que não há motivo para fazer festa. Mas eu penso exatamente o contrário. Creio que é exatamente por estarmos passando por tempos difíceis que precisamos de um senso de unidade para enfrentarmos os nossos problemas”.

Ele sugeriu que o governo enfrentaria críticas, não importando o que gastasse ou planejasse, particularmente em uma democracia palpitante, apenas dez anos após o fim de sete décadas da liderança de um único partido.

“Isso gerou um novo pluralismo, uma visão hipercrítica da nossa vida coletiva”, disse ele, acrescentando: “Às vezes parece que nós não sabemos como encontrar um equilíbrio entre os avanços do país e essa necessidade de criticar, segundo a qual a pessoa mais inteligente parece ser aquela que é mais crítica”.

Andrew Selee, diretor do Instituto México do Centro Woodrow Wilson, em Washington, D.C., concorda. A guerra do narcotráfico eclipsou alguns pontos positivos, diz ele, incluindo sinais de crescimento econômico. O produto interno bruto expandiu-se quase 6% no primeiro semestre do ano.

Mas ele afirma que a “gravidade da doença” que atinge o país é inegável, e que esse problema infiltrou-se no clima do bicentenário.

“Os cidadãos estão aprendendo a discordar e ainda assim encontram fatores para uni-los”, diz Selee, “E isso particularmente em se tratando de um país no qual a história e os símbolos realmente têm importância devido à adversidade que a nação teve que superar: a ruptura sangrenta com a Espanha; a perda desastrosa de território para os Estados Unidos na década de 1840, e uma revolução, cujo centésimo aniversário será comemorado em novembro, que descambou para uma guerra civil brutal”.

As lendas astecas são contadas aqui como se se os fatos tivessem se passado na semana passada. Para onde quer que a pessoa se volte, ela deparar-se-á com ruas, edifícios, monumentos e cidades que foram batizados em homenagem a heróis nacionais, quase todos eles , incluindo o pai da independência do país, Miguel Hidalgo, mortos de maneira trágica.

No início deste ano, soldados usando uniformes no estilo do século 19 marcharam pela principal avenida da capital, a Reforma, carregando urnas de vidro que continham ossos que, segundo se diz, são de 12 heróis da independência. Os ossos estavam sendo transferidos do monumento Anjo da Independência para instalações nas quais cientistas pudessem identificá-los.

Mesmo assim, criar um senso de unidade é uma tarefa difícil em um país que possui 32 Estados, que cobrem uma região que vai desde as florestas tropicais no sul do país ao deserto no norte, de remotas vilas indígenas nas montanhas a resorts em praias que lembram Miami, e de bistrôs em estilo europeu na capital a barracos de teto de zinco na periferia.

“Tudo é muito simbólico, distanciado da realidade, muito patriótico, quando os próprios mexicanos não são muito patrióticos”, afirma Adriana Ugalde, 22, uma estudante de filosofia que trabalha no turno da noite no Starbucks situada no centro histórico de Guanajuato, a capital do Estado no qual nasceu a independência do México. “Talvez isso seja verdade sob certos aspectos. Mas falar disso como se fosse uma verdadeira identidade mexicana? Sei lá...”.

Mas não é difícil encontrar aqueles que tem uma visão mais positiva, especialmente agora que se aproxima o dia da independência e as pessoas acalentam a ideia de uma grande festa.

Emiliano Galvez, 31, um mecânico de automóveis que comprou um minisombrero vermelho, verde e branco para o filho de cinco anos de idade durante uma visita à Zocalo em uma tarde recente, sentiu uma onda de orgulho ao observar os preparativos para a comemoração.

“Este é o meu país. Sendo assim, é claro que eu vou comemorar”, afirma Galvez. “Nós crescemos aprendendo fatos a respeito dos nossos heróis e agora é o momento de realmente homenageá-los, e não de reclamar do país”.

Fonte: The New York Times (Randal C. Archibold)
Tradução: UOL