terça-feira, 23 de novembro de 2010

Nigéria sobrevive com ira, risos e contradições

Há 50 anos, em 1º de outubro de 1960, a palavra “liberdade” dominava as páginas do “Daily Times” da Nigéria. Ela marcava tanto a independência do Reino Unido quanto a onda de otimismo que tomava a África na época. “Nós herdamos dois grandes ativos dos britânicos: democracia parlamentar e o Estado de direito”, dizia o editorial. “Nós devemos manter firmemente esses princípios...”

Menos de seis anos depois, os militares tomaram o poder e governaram por grande parte dos 33 anos seguintes. Mas olhando para trás, é incrível que a Nigéria tenha mantido sua unidade. Batizado em 1914 pela esposa do administrador colonial da Nigéria, lorde Lugard, o território não possui fronteiras lógicas, nenhum senso de identidade comum ou propósito. Ele abrange 400 línguas, culturas altamente diversas e profundas divisões religiosas. Os nigerianos nem mesmo concordam em quantos eles são.

Sob o regime militar, foi mantida sob controle a divisão entre o norte muçulmano e o sul cristão, assim como a rivalidade entre três regiões concorrentes: norte, leste e oeste. A guerra civil de três anos, provocada em 1967 quando o sudeste recém rico em petróleo tentou se separar como a República de Biafra, deixou milhões de mortos. Mas a derrota dos rebeldes impediu uma separação e, graças aos generais, permitiu que o petróleo fluísse para o Ocidente com pouco benefício ao povo nigeriano.

Hoje, ainda não há acordo sobre como a vasta riqueza natural deve ser compartilhada. Os nigerianos são unidos por pouco, exceto a seleção de futebol, e quando ela não conseguiu conquistar a Copa do Mundo neste ano, o presidente nigeriano Goodluck Jonathan afastou a seleção de competições internacionais por dois anos. (Ele posteriormente voltou atrás na decisão.) Como um país assim continua existindo?

A resposta é uma luta frenética, frequentemente suja e brutal por educação, trabalho, dinheiro e poder entre 120 milhões (ou seriam 140 milhões?) de pessoas. É um vasto caldeirão que parece produzir seres humanos mais astutos, criativos e enérgicos do que em qualquer outro lugar na África. Aqueles que têm sucesso são indulgentes em exibições estupendas de poder e riqueza.

A maioria dos nigerianos apreciou o retorno das eleições e de uma presidência civil em 1999, mas os políticos concederam a si mesmos alguns dos salários mais altos do mundo. Em maio, eles concederam a si mesmos um aumento salarial dando a cada um deles 82.700 libras por mês. (Mais da metade dos nigerianos vive com menos de 1 libra por dia.) Na última eleição, a manipulação dos votos não foi organizada apenas pelo governo e pelas autoridades públicas –mas por todos. É assim que a Nigéria funciona. É um sistema forte demais para uma pessoa só mudar; o progresso exigirá o compromisso de toda uma nova geração para limpar as coisas.

Isso pode vir a acontecer algum dia? As vastas reservas de petróleo do país criaram uma única fonte de riqueza e poder. Sob o regime militar, ninguém pagava impostos; a receita do governo vinha das companhias petrolíferas. Em seu novo livro, “My Nigeria: Five Decades of Independence” (minha Nigéria: cinco décadas de independência), Peter Cunliffe-Jones traça comparações entre a Nigéria e a Indonésia, outro país rico em petróleo, vasto e diverso, e aponta as duas diferenças-chave. Na Indonésia, os generais e seus amigos não roubaram 100% do dinheiro do petróleo e o investiram em indústrias domésticas produtivas. Os bilhões da Nigéria se encontram em paraísos fiscais estrangeiros. Aqueles que governam a Nigéria não acreditam no país.

Mas há esperança. Nos últimos anos, quatro novos desenvolvimentos ocorreram. O poder do petróleo diminuiu e outras formas de riqueza estão emergindo. Aliko Dangote, supostamente o empreendedor mais rico da Nigéria, ganhou seus bilhões com cimento e transporte. Segundo, há uma crescente classe de profissionais de negócios que estão cuidando do capital internacional e não podem fazer as coisas “do modo nigeriano”. Eles são acompanhados por um grupo no governo de Jonathan que é comprometido com a mudança –liderado por Olusegun Aganga, o ministro das Finanças e ex-diretor administrativo do Goldman Sachs. Terceiro, grande parte dos fundos do governo agora fluem por meio dos 36 governos estaduais da Nigéria. O presidente não possui mais o poder absoluto. E por último, há uma população jovem frustrada, com acesso ao restante do mundo, que deseja que as coisas sejam diferentes –e sabem que elas podem ser.

Em junho, eu testemunhei um debate furioso no Museu Britânico sobre a questão “Por que a Nigéria não é uma superpotência cultural, política e econômica?” Um homem irado acusou um dos palestrantes, o reverendo Matthew Kukah, de cumplicidade em genocídio. Em seu floreio final, o homem proclamou: “Mas, reverendo Matthew, se o senhor concorresse à presidência, eu votaria em você!” A plateia, metade composta por londrinos nigerianos, caiu na gargalhada. Kukah respondeu gentilmente que “Se alguém não estiver irado, nós perguntamos: ‘Quem os está pagando?’” Ira, risada e cortesia, tudo ao mesmo tempo –apenas os nigerianos são capazes disso. É como eles, e a Nigéria, sobrevivem. (Prospect/Richard Dowden - Tradução: George El Khouri Andolfato)