quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Lutando contra o abandono

O menino ainda estava com o cordão umbilical quando foi encontrado por uma mulher e sua filha em meio a arbustos debaixo de uma ponte em Tapah, a cerca de uma hora de carro de Kuala Lumpur, na Malásia. Os médicos que o examinaram determinaram que ele havia nascido há apenas duas horas.

O menino, que foi levado a um orfanato para esperar por adoção, é um entre os quase 80 bebês abandonados que foram encontrados na Malásia este ano, alguns já mortos, desencadeando muita reflexão e pedidos de ação.

As reações à série de manchetes de jornal sobre bebês abandonados incluíram desde um aumento da educação sexual nas escolas até pedidos por penalidades mais duras e a inauguração da primeira “portinhola de bebês”, onde as mães podem deixar seus filhos anonimamente, para que eles sejam cuidados por outras pessoas. Um governo estadual ofereceu apoio financeiro para as jovens adolescentes se casarem, irritando os grupos de mulheres que vêm fazendo campanha contra o casamento de menores.

De acordo com a Shariah, ou lei islâmica, que se aplica aos 60% de muçulmanos que compõem a população da Malásia, o sexo antes do casamento é proibido e as penas incluem até três anos de prisão, uma multa de até 5 mil ringgits, cerca de US$ 1.600 (R$ 2.734) ou seis golpes de vara. Os não-muçulmanos que fazem sexo antes do casamento não são punidos, mas a prática continua sendo um tabu social.

O aborto é ilegal a menos que a saúde física ou mental da mulher esteja em perigo. Qualquer pessoa que abandona uma criança com menos de 12 anos pode enfrentar até sete anos de cadeia, multa ou ambos.

Apesar da atenção recente da mídia ao tema, o número de bebês abandonados na Malásia não teve uma mudança significativa este ano. A política registrou 76 casos do começo deste ano até 1º de outubro, em comparação com 79 casos em 2009 e 102 em 2008.

Mas em agosto, o gabinete pediu ao escritório da promotoria geral para investigar melhor os casos de bebês que morreram depois de serem abandonados, para determinar se os responsáveis deveriam ser acusados de assassinato, um crime que é punido com a pena de morte na Malásia.

Rajpal Singh, presidente do comitê para legislação criminal do Conselho de Advocacia da Malásia, disse que uma pessoa pode ser acusada de assassinato apenas se for provado que ela tinha a intenção de matar o bebê. Provar que houve assassinato nesse tipo de caso é muito difícil”, diz ele.

Optando por uma abordagem diferente, Mohamad Ali Rustam, ministro-chefe do Estado de Melaca, ao sul de Kuala Lumpur, anunciou recentemente seus planos de dar 500 ringitt para os casais menores de 18 anos que se casarem.

Na Malásia, as meninas muçulmanas com menos de 16 anos e rapazes com menos de 18 podem se casar com a permissão de um tribunal da Shariah. Os não-muçulmanos precisam ter pelo menos 18 anos, a menos que recebam a permissão do ministro-chefe de seu Estado, nesse caso podem se casar a partir dos 16 anos.

De 2000 a 2008, foram registrados 1.654 casamentos de meninas de 16 e 17 anos, embora os defensores dos direitos das mulheres acreditem que a incidência de casamentos de menores seja ainda maior.

Um relatório da Unaids divulgado este ano mostrou que 7.176 meninas muçulmanas e 2.029 meninos muçulmanos com menos de 19 anos passaram por testes de HIV em 2009, que são obrigatórios na maioria dos Estados da Malásia para os muçulmanos que pedem permissão para se casar.

Mohamad espera que o dinheiro oferecido aos casais adolescentes para ajudar a pagar as despesas do casamento desencoraje o sexo antes da união e reduza o abandono de crianças nascidas fora do casamento.

“Eles querem fazer sexo, então é melhor que se casem”, diz ele.

Grupos que defendem aumentar a idade de casamento para 18 anos para todos os habitantes da Malásia, independentemente do gênero ou da religião, condenaram a iniciativa de Mohamad.

Ivy Josiah, diretora-executiva da Organização para a Ajuda da Mulher, um grupo não-governamental, disse que permitir que os menores de 18 anos se casem vai contra as obrigações da Malásia diante da Convenção das Nações Unidas para os Direitos das Crianças e contra a própria legislação do país. “O casamento de menores é contra todos os direitos da criança”, diz ela.

Tanto a convenção da ONU quanto a Ação pela Criança da Malásia definem como criança qualquer pessoa com menos de 18 anos.

O Ministério da Mulher, Família e Desenvolvimento Comunitário está investigando o caso de uma menina de 14 anos que recebeu recentemente permissão para se casar de um tribunal da Shariah, mas não há planos para aumentar a idade de casamento para 18 anos para as meninas muçulmanas.

“Esperamos que os juízes da Shariah continuem a exercitar seu discernimento com bom senso”, disse Heng Seai Kie, vice-ministro da Mulher, Família e Desenvolvimento Comunitário.

Outros esforços estão focados na educação e no apoio logístico.

Em Malaca, Mohamad inaugurou a Escola da Esperança, um internato para meninas grávidas, independentemente de seu estado civil ou religião. Desde a inauguração, em setembro, dez meninas entraram na escola, que pode acomodar até 40.

Mohamad disse que montou a escola, que além do currículo padrão as ensina a cuidar dos filhos, porque as escolas comuns da Malásia costumam desencorajar as meninas grávidas de continuar estudando.

O número de adolescentes que engravidam, independentemente de sua situação conjugal, aumentou levemente na Malásia nos últimos anos, com 16.207 nascimentos registrados em 2007, em comparação aos 15.752 de 2005.

Faz tempo que organizações não-governamentais pedem que as escolas ofereçam aos estudantes mais informações sobre sexo e como evitar doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez indesejada. Atualmente, os alunos aprendem apenas o básico de anatomia e reprodução nas aulas de biologia e educação física, e a abstinência sexual fora do casamento é encorajada.

A partir do próximo ano, entretanto, os alunos de escolas primárias passarão 30 minutos por semana, e os do segundo grau passarão 40 minutos duas vezes por mês, em aulas de “Saúde reprodutiva e educação social”.

Essas aulas continuarão a enfatizar a abstinência antes do casamento, mas os alunos do segundo grau também aprenderão sobre contracepção e doenças sexualmente transmissíveis.

Heng, vice-ministra da Mulher, disse que embora o governo queira desencorajar o sexo antes do casamento, ele oferece apoio para as mulheres e meninas solteiras que engravidam. Ele tem quatro abrigos para meninas solteiras abaixo dos 18 anos e dois para mulheres grávidas acima dos 18, nos quais são fornecidos alimentação e acomodação gratuitas. Ela disse que o país também tem até 60 centros de bem-estar que oferecem assistência para mães solteiras e seus bebês.

A resposta do governo não impressionou militantes como Josiah, da Organização para a Ajuda da Mulher. Embora ache boa a atenção dada à educação sexual, ela rejeita as tentativas de encorajar as mães adolescentes a se casar e diz que as medidas punitivas, como acusar as pessoas de assassinato se o bebê abandonado morrer, não ajudam a lidar com o problema do abandono de crianças.

“Se a mensagem é que você pode ser chicoteado por fazer sexo fora do casamento ou que pode até mesmo ser executado se abandoar um bebê e o bebê morrer ou pode ser obrigada a casar – mesmo que tenha menos de 18 anos –, se for essa a mensagem transmitida, então certamente ninguém vai se revelar”, diz ela.

Para aumentar as chances de sobrevivência dos bebês abandonados, a primeira “portinhola de bebês” da Malásia, um lugar onde as mães podem deixar os bebês indesejados, foi inaugurada em maio. Quinze bebês foram deixados lá até agora.

A roda, baseada num projeto arquitetônico já usado na Alemanha e no Japão, tem um alarme que é ativado quando um bebê é colocado lá dentro. Ela fica no terreno do Orphan Care, uma organização não-governamental que toma providências para que os bebês sejam levados para orfanatos ou adotados.

A Orphan Care espera abrir outra “portinhola de bebês” em Kuala Lumpur e uma terceira num hospital governamental nos arredores da capital. “Acho que se houver mais lugares assim, se eles forem mais acessíveis e localizados em cidades diferentes, poderemos salvar mais vidas”, diz Adnan Mohammad Tahir, presidente da organização. (Herald Tribune/Liz Gooch - Tradução: Eloise De Vylder)