sábado, 15 de outubro de 2011

Estados brasileiros travam 'guerra fiscal' na disputa por unidade de produção de iPads

Com poucas conexões de transporte com o mundo externo além do aeroporto e do Rio Amazonas, Manaus seria atualmente um lugar muitíssimo atrasado se não fosse pelas isenções fiscais que transformaram a cidade em uma versão das selvas de uma zona de livre comércio chinesa.

Cercada pela floresta impenetrável, essa histórica capital brasileira da borracha, de 2 milhões de habitantes, produz 90% das motocicletas do Brasil, incluindo caras BMWs e Harley-Davidsons, a maioria das bicicletas, um terço dos relógios e grande parte dos televisores de telas planas e outros aparelhos eletrônicos.

“Cerca de 90% da nossa economia baseia-se na atividade industrial”, afirma Marcelo Lima Filho, secretário de Planejamento do governo estadual do Amazonas, cuja capital é Manaus. “Existem mais de 100 mil empregos na nossa zona industrial”.

Mas atualmente Manaus está lutando pela sobrevivência. A cidade está procurando garantir para si um dos maiores projetos tecnológicos já vistos no Brasil – um plano de US$ 12 bilhões para a produção de iPads.

Mas Estados mais poderosos, especialmente São Paulo, o mais rico e industrializado do Brasil, estão tentando ganhar a disputa pelo projeto com a oferta de isenções fiscais próprias – benefícios que Manaus alega que são ilegais de acordo com a constituição, e que acabariam fatalmente erodindo as vantagens fiscais obtidas com a instalação de fábricas no Amazonas.

“Nós estamos lutando para proteger não apenas os nossos interesses, mas também os nossos direitos”, diz Wilson Pericó, presidente de um dos maiores grupos de lobby do setor industrial de Manaus.

Situada próxima ao “encontro das águas”, o local em que dois dos maiores rios da Bacia Amazônica se encontram, Manaus sempre foi uma anomalia.

Durante o apogeu do ciclo da borracha, no final do século 19, os magnatas fabulosamente ricos da cidade gastaram os seus milhões com a construção do Teatro Municipal, que atraiu os melhores espetáculos internacionais da época. O prédio rosa e branco em estilo renascentista ainda domina a maltratada área do centro da cidade, onde barcaças do Amazonas com nomes como Coração de Jesus atracam no cais.

Depois que a indústria da borracha entrou em colapso, o destino da cidade só mudou para melhor na década de sessenta, quando a ditadura militar que governava o Brasil deu início a esforços para povoar os vastos vazios populacionais do Amazonas.

O governo militar concedeu isenções fiscais a companhias para que estas fabricassem os seus produtos em Manaus. Atualmente, esses benefícios, que estão garantidos pela constituição do país, fazem com que seja 35% mais barato fabricar produtos como eletrônicos na cidade do que em qualquer outro lugar do Brasil, segundo a Ernst & Young.

As isenções fiscais de Manaus são particularmente atraentes quando se leva em conta o complicado sistema tributário do Brasil, que o Banco Mundial colocou em 152º lugar na sua lista decrescente de simplicidade e funcionalidade, e que é capaz de aumentar em até 60% o preço no varejo dos produtos no país.

Mas o destino da cidade está dependendo agora do resultado daquilo que passou a ser conhecido como a “guerra fiscal”, na qual os Estados competem para atrair fábricas, oferecendo a estas incentivos fiscais.

Tecnicamente, tais incentivos precisariam ser aprovados primeiro por todos os outros Estados. Mas, na prática, muitos Estados concedem esses incentivos assim mesmo, sem a aprovação das outras unidades da federação, provocando uma enxurrada de processos na justiça e fazendo aumentar a confusão entre os investidores.

“Essa questão é muito política, as discussões são muito difíceis”, afirma Sérgio Fontenelle, especialista em tarifas e comércio internacional da Ernst & Young, em São Paulo, referindo-se às negociações tributárias entre Estados.

Atualmente, Manaus está processando São Paulo pelo fato de este Estado ter oferecido incentivos fiscais para atrair a Foxconn, de Taiwan, a fabricante do iPad da Apple, em um projeto que o governo afirma que gerará 100 mil empregos.

“Nós temos estradas, logística e oferta de engenheiros e trabalhadores”, diz José Clóvis Cabrera, uma autoridade da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, referindo-se à tentativa do seu Estado de vencer a disputa pelo projeto.

Ainda não houve uma decisão quanto a isso. Mas o empresariado de Manaus está nervoso. Eles sabem que a sua própria existência nessa região cercada pela selva depende da defesa vigorosa do seu sistema de incentivos fiscais.

“Nós só somos competitivos devido ao regime tributário federal”, admite Lima.

Fonte: Financial Times (Joe Leahi)
Tradução: UOL