segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Condenado à forca aos 14 anos aguarda liberdade no Sudão do Sul

Ele se chama Alphonse Kenyi. Aguarda em uma prisão do Sudão do Sul que um tribunal anule a condenação à morte ditada contra ele quando tinha 14 anos. "El País" o entrevistou entre os muros de uma prisão putrefata

"Eu nunca disse diante do juiz que tinha matado alguém." Alphonse Kenyi, que já completou 15 anos, está na última ala da prisão de Juba, reservada para os condenados à morte. Está atrás das grades desde outubro de 2009. Foi condenado por assassinato múltiplo quando tinha só 14 anos. Foi indicado como membro de um grupo que vagava pela cidade matando gente, os chamados "niggers". Está no corredor da morte desde outubro de 2010. Sobre ele pende a sombra da forca.

Sua história é o reverso obscuro de um processo ilusório. Em 9 de julho passado, o Sudão do Sul se transformou em um país independente, e a cidade de Juba, na capital mais jovem do mundo. Depois de uma guerra de 22 anos contra o norte, Juba é hoje uma cidade otimista, que olha para o futuro. A nova corrente de esperança chega até a prisão Central e inclusive até o corredor da morte, onde os condenados sonham que o novo Estado os perdoe.

Alphonse é o mais jovem deles. O sexto de sete irmãos e o único que pôde ir ao colégio, embora só durante dois anos. Seus pais, que estavam desempregados e com trabalhos ocasionais, não podiam pagar a educação de seus filhos. Viviam em Kalitok, um povoado a cerca de 85 quilômetros de Juba. Em 2008 mudaram-se para a capital, para que o pai, doente, pudesse receber cuidados médicos. A mãe conseguiu um trabalho no Serviço da Vida Selvagem, e Alphonse, como muitos outros meninos de Juba, se dedicava a recolher garrafas plásticas pela rua para vendê-las como recipientes ou para reciclagem. Mas a liberdade de mover-se pelas ruas de Juba durou só um ano para Alphonse: em outubro de 2009 foi preso por assassinato múltiplo.

"Tinha havido tiros e assassinatos em Nyakuron [um subúrbio de Juba], por isso a polícia começou a procurar qualquer pessoa com uniformes e pistolas. Me encontraram em casa e viram o uniforme de minha mãe. A polícia me prendeu e me levou para a delegacia", explica Alphonse.

Juba, a capital do Sudão do Sul, é uma cidade em ebulição. Quase totalmente destruída durante a guerra que acabou em 2005, hoje abundam os locais em obras. Torres de vidro abrigam hotéis e bancos junto de edifícios meio arruinados. Carros todo-terreno com os vidros escuros conduzem governantes e dignitários internacionais que cruzam com vacas de longos chifres e cabras procurando comida entre o lixo nas ruas.

A prisão está situada no centro da cidade. É um dos poucos edifícios que quase não mudaram nos últimos 60 anos. Diversos guardas e policiais armados com rifles gastos andam ao redor da porta principal, que se abre nos enormes muros de pedra coroados com arame. Outros sentam-se em cadeiras plásticas ou no chão, tentando encontrar um pouco de sombra para fugir do calor acachapante.

Dentro dos muros, em um pátio de terra, há várias poltronas queimadas pelo sol. Também aqui há dezenas de guardas e policiais que parecem não ter muito o que fazer. Andam lentamente, secando o suor do rosto, sentam-se nas poltronas ou no chão, alguns portam com má vontade seus velhos rifles AK-47. Cheira a urina, incontáveis moscas pousam na pele, na roupa, nos rifles, no forro rasgado das poltronas.

O oficial encarregado dos menores na prisão é Fabian Serit, um homem não muito alto e de sorriso fácil. Tem um rosto simpático e, apesar do calor, vem para o trabalho todos os dias com calças de terno e uma camisa de manga longa. Fabian sua constantemente e leva um lenço no bolso que passa pelo rosto a cada poucos minutos. Gosta de falar e ri com frequência. Quando está contando algo importante ou que ele considera uma confidência, pega seu braço e o olha fixamente com seus olhos avermelhados, enquanto baixa a voz.

"Um grupo chamado 'niggers' andava pela cidade matando pessoas. Foram presos e torturados e a polícia os obrigou a indicar seus seguidores pela rua, e foi então que denunciaram Alphonse", diz Fabian em voz baixa. E depois se exalta: "Mas ele é inocente, e além disso um menino! Por isso o levamos ao médico. O doutor disse que tinha 14 anos e agora estamos tentando mudar oficialmente sua idade para livrá-lo da pena de morte". Em janeiro de 2010 o Sudão mudou suas leis e aumentou de 15 para 18 anos a idade mínima para que um criminoso possa ser condenado à pena capital.

Fabian e outros funcionários da prisão trabalham em um escritório muito pequeno e de paredes nuas, no qual três mesas e algumas cadeiras mal deixam lugar para nada mais. Todos os relatórios e documentos estão em papel e manuscritos em uma mistura de inglês e árabe. Dois funcionários tentam sem muito êxito usar o programa Microsoft Word no único e velho computador que acaba de ser doado pela ONU. As moscas e o calor invadem o escritório, embora aqui se possa pelo menos escapar do sol lancinante.

Portas de metal enormes e pesadas conduzem ao pátio interno da prisão e às celas. O pátio é um espaço amplo com piso de terra, dividido em duas partes por uma cerca. Novamente o calor, a luz, a poeira e as moscas. À direita da cerca há algumas árvores e um telhado de metal que dão um pouco de sombra. Os presos se concentram ali, sentados no chão, tentando fugir do sol e da luz cegante da manhã. Outros sentam-se junto ao muro que separa o pátio das celas à esquerda, onde também há uma estreita faixa de sombra. Quase não há movimento, quase ninguém caminha, e as conversas são em voz baixa.

O método de execução empregado na prisão é a forca. Fabian explica que há uma fórmula para pendurar os condenados. "Eles o medem e o pesam para regular a forca. Se não estiver bem regulada, pode lhe cortar a cabeça. Se isto ocorrer, os encarregados da regulagem são presos."

Incluindo Alphonse, no corredor da morte há hoje 50 condenados, todos por assassinato. Em 2011, até a independência em julho, dois presos foram executados. No ano passado foram oito ao todo, segundo conta Fabian. Além de Alphonse, nesta prisão há outros 46 meninos que convivem com cerca de mil réus adultos. Também há cinco meninas, alojadas em um edifício contíguo, com as mulheres.

A maioria dos presos adultos, assim como quase todos os policiais e guardas, são ex-guerrilheiros que lutaram na guerra civil entre o norte e o sul do Sudão entre 1983 e 2005. Entre os presos adultos, os delitos mais comuns são roubo, adultério, violação e assassinato. Entre os meninos, os pequenos roubos e alguns assassinatos.

O caso dos condenados por assassinato é particular. "A pena depende da decisão dos parentes da vítima", explica James Warnyang, outro funcionário encarregado dos menores. Os familiares pedem ao assassino uma quantia em dinheiro como indenização. É o que em árabe chamam "dia" e em inglês "blood money" (dinheiro de sangue). A lei estabelece que os familiares podem pedir no máximo 30 mil libras (cerca de 8.250 euros) e essa é a quantia solicitada em quase todos os casos. "Mas depende das tribos", explica Fabian; "por exemplo, os dinka podem pedir 30 vacas em vez de 30 mil libras". Quando se define o valor, o juiz impõe uma nova sentença de prisão, de até cinco anos se for um menor e até dez se for adulto.

"Mas se os parentes da vítima disserem que querem o assassino morto, está resolvido: são eles que decidem e não há nada a fazer, mas se o condenado for menor a lei diz que não pode executado", conclui James. Na prisão Central de Juba, além de Alphonse há nove menores que cumprem penas de prisão por assassinato.

São várias alas: uma para os presos comuns, outra para os doentes mentais, outra para os presos políticos, que, curiosamente, é a ocupada pelos menores. Uma porta no muro dá acesso à ala para os presos políticos. Os menores esperam sob um toldo metálico, de pé e em filas. Usam roupas sujas e rasgadas, estão muito magros e aguardam com expectativa. De repente começam a cantar enquanto batem palmas e se movem ritmadamente.

Quando a canção acaba, todos se sentam no chão em filas e olham com olhos enormes, com intensidade, alguns de boca aberta, outros com sorrisos de emoção. A cena lembra mais uma escola que uma prisão.

Muitos meninos querem falar e suas histórias poderiam encher um livro de reportagens. Ali está Mangar Abuc Malnal, 16 anos, que parece um dos chefes do grupo. Os demais falam seu nome em coro enquanto Mangar, cheio de energia e confiança, se levanta e conta com naturalidade que assassinou outro menino em uma briga, enquanto Fabian e vários menores riem. Ele mesmo se entregou à polícia em julho de 2009 e está desde então na prisão.

Mas seu julgamento só se realizou em dezembro de 2010, quando foi condenado a pagar 30 mil libras como dinheiro de sangue à família da vítima e a três anos de prisão, que começaram a contar no momento da condenação. Mangar diz que quando podem jogar futebol não é ruim, embora a comida não seja boa. "Mas a bola furou e agora não temos nada para fazer, por isso passamos o dia sem fazer nada e pensando."

O caso de Diu Ajak também é interessante. Alto, muito magro e com o rosto infantil e triste, tem 13 anos mas aparenta 9 ou 10. "Tinha fome, por isso entrei na casa, peguei 120 libras [32 euros] e uma pequena câmera de fotos", conta Diui em voz muito baixa. "O dono do dinheiro me pegou e me bateu com um pau. Era um oficial do exército. Levou-me para a delegacia e lá os policiais me bateram, me deram muitas chicotadas." Então Diu se cala, levanta a camisa e mostra as costas cheias de cicatrizes, apesar de isso ter ocorrido cinco meses atrás.

"Me colocaram em um carro e me levaram para indicar alguém. Eu indiquei alguns garotos porque os policiais tinham me batido. Os que indiquei são meus amigos, mas não estavam comigo quando roubei a casa", continua o jovem.

Os cinco meninos foram presos e levados a uma delegacia. Dois deles, Angok Mum e Chol Achek, ambos de 14 anos, levantam-se indignados e contam sua versão da história, que coincide com a de Diu, embora eles neguem que sejam amigos e afirmam que não o conheciam. Angok e Chol dizem que os policiais também lhes bateram na delegacia para que confessassem ter roubado, mas que eles nunca o admitiram.

Mais adiante, Fabian contará por telefone que Diu e os cinco menores presos junto com ele foram libertados depois de passar mais de sete meses na prisão sem ter-se realizado o julgamento. E no caso dos cinco indicados por Diu sem provas contra eles.

Enquanto Diu, Angok e Chol falam, um funcionário trouxe Alphonse, que se deixou cair em uma cadeira de plástico. Alto, magro, cabisbaixo, de rosto largo e grandes olhos, não deixa de tocar seus pés e as correntes que lhe machucam os tornozelos. Os outros meninos o olham com respeito e à distância. Alphonse simplesmente os ignora. Um dos funcionários diz para os meninos que podem ir e a maioria se levanta e vai embora. Alphonse senta-se no chão e, de olhos baixos, faz desenhos na areia. Alguns meninos ficam e se sentam ou deitam perto dele, olhando sérios e em silêncio.

Começa a falar e diz que seu nome completo é Alphonse Kenyi Makwach e nasceu em 19 de janeiro de 1996. Quase não levanta o olhar e fala monótona e lentamente, como se estivesse cansado ou aborrecido de repetir as mesmas palavras, enquanto continua traçando formas e letras na areia do solo. "Me prenderam em outubro de 2009. Minha mãe trabalha para o Serviço de Proteção da Vida Selvagem e seu uniforme [parecido com o dos soldados] estava em casa."

"Me humilharam, me bateram muitas vezes, queriam que eu admitisse ter feito coisas que não fiz. Me meteram em uma cela com mais gente que era acusada de matar e de destruir o povoado, e me acusaram do mesmo. Me batiam com esse bastão que a polícia tem. Se eu olhasse para eles, me batiam. Levaram-me para o tribunal e o juiz perguntou: 'O que fez esta pessoa?' O promotor disse: 'Estas pessoas mataram'. E nos trouxeram aqui para a prisão. O promotor voltou à delegacia e escreveu que todos tínhamos confessado e por isso nos condenaram à morte. Mas diante do juiz eu nunca disse que tinha matado."

Ele segue seu discurso lentamente, mas sem pausa; os outros meninos escutam em silêncio e acompanham a cena com intensidade. "Na delegacia, os policiais usaram navalhas e agulhas, me diziam para confessar, mas eu nunca admiti nada. Me enfiavam agulhas entre a carne e a unha, causando-me muita dor, e depois rompiam a unha com a navalha." Então Alphonse para de falar. Levanta a vista e mostra os dedos e os sinais em suas unhas, como pequenas cicatrizes por onde a unha se teria rompido.

"Eu não conhecia as outras pessoas que estavam na cela. Todos eram maiores que eu. Não me falaram nem me disseram nada. A polícia também torturou a eles, a todos fizeram o mesmo", acrescentou o jovem. Eram ao todo oito pessoas: Alphonse e três homens foram condenados à morte, outro foi sentenciado a 14 anos de prisão e duas mulheres e uma menor também foram castigadas com 14 anos.

Alphonse se cala e continua fazendo desenhos no chão. O ambiente se descontraiu um pouco, todos parecem voltar a respirar, as meninas começam a falar e a se mover. Alguns se aproximam de Alphonse e falam com carinho, tentam animá-lo, fazem brincadeiras, às vezes conseguem lhe arrancar um leve sorriso.

James Warnyang, outro funcionário que se ocupa dos menores, murmura: "Ele não acredita mais que vão libertá-lo, acredita que será executado". E então lhe conta o que Fabian e ele estão fazendo para demonstrar que é um menino, que foi condenado com 14 anos, e lhe garantem que não será enforcado. Mas Alphonse não reage, não levanta os olhos para James e simplesmente continua brincando com a areia, fazendo desenhos e pequenos montes com ela.

Depois de conseguir o documento da comissão médica que certifica que Alphonse tem 15 anos, o funcionário Fabian elaborou um relatório completo sobre o caso, que primeiro teve de ser aprovado pelo diretor da prisão, depois por um tribunal em primeira instância e agora está pendente de resolução no Tribunal Supremo.

Se for aceito que Alphonse foi condenado à morte quando tinha 14 anos, então a sentença será invalidada e o tribunal terá de fixar uma pena de prisão que, por se tratar de um menor de idade, poderia ser de até cinco anos, além do pagamento do dinheiro de sangue às famílias das vítimas. "E imediatamente depois da resolução o tiraríamos do corredor da morte e o traríamos para cá com os outros meninos", salienta Fabian.

Alphonse usa uma camiseta do Liverpool, mas não responde sobre se gosta de futebol e desse time. Os outros meninos insistem, falam de futebol, fazem pequenas piadas, tentam fazê-lo rir e então sim, ele reage e fala um pouco com os outros rapazes; a atmosfera parece um pouco mais leve durante alguns instantes.

Passa as noites na ala dos condenados à morte, mas os outros menores dormem em um quarto junto desse pequeno pátio coberto por um telhado de metal. Trata-se de um único quarto de cerca de 4 metros por 15 de comprimento. Junto às paredes se apertam cerca de 15 colchões de espuma. São muito finos e estão rasgados e cobertos por lençóis velhos e sujos. Em cada um deles dormem três meninos. Alguns mosquiteiros pendem do teto sobre os colchões, mas não são suficientes e estão cheios de buracos.

A visita à prisão Central de Juba chega ao fim. Alphonse continua sentado no chão, novamente com o olhar baixo e triste. Os outros meninos se levantam, começam a andar, se empurram uns aos outros e brigam de brincadeira, riem e começam a jogar. De volta ao escritório, e depois de interrogá-lo sobre a tortura, Fabian conta: "Nos quartéis da polícia lhe batem, usam fogo e outros objetos para que você diga a verdade. De fato, os presos querem ser trazidos para a prisão o mais cedo possível, porque sabem que aqui não torturamos ninguém".

Lá fora, o sol continua inundando o pátio de terra entre o zumbido das moscas e as conversas dos guardas. Os policiais passeiam lentamente ou se deixam cair junto de seus rifles nas poltronas queimadas pelo calor.

Fonte: El País/José Miguel Calatayud
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves