domingo, 16 de novembro de 2008

Imunes a lei

A postura dos legisladores brasileiros é elitista e discriminatória em relação ao crime, ao criminoso e à criminalidade. O Congresso Nacional, que deveria ter uma percepção de si como criminoso, em certo aspecto, acha que o crime só acontece fora do Parlamento, embora 143 dos seus integrantes estejam sob investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramitam 440 ações contra parlamentares envolvidos nos mais variados crimes, inclusive homicídio, seqüestro e estelionato.

Muitos daqueles que criam as leis se comportam como se fossem imunes a elas, por terem como muralha de proteção o foro privilegiado, uma prerrogativa que, aliada à morosidade dos julgamentos, tornou-se sinônimo de impunidade. Os políticos encontram proteção também no corporativismo, ainda muito presente em nosso Parlamento. As várias Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), criadas no Congresso Nacional, absolveram a maioria dos deputados e senadores envolvidos em crimes.

Das 646 proposições da área criminal apresentadas entre os anos de 2003 e 2007, 521 são da Câmara dos Deputados e 125 do Senado. A maioria destina-se a agravar as penalidades. Apenas duas são relacionadas aos crimes de colarinho branco, um indicativo de que os parlamentares não legislam para crimes cometidos por membros da elite econômica. As leis elaboradas no Congresso são sempre para prender e endurecer a vida dos pobres e “afrouxar” a vida dos ricos.

A tolerância com os crimes de colarinho branco, no entanto, não é uma característica que pode ser atribuída apenas ao Poder Legislativo. O Judiciário – que é extremamente rigoroso quando julga os pobres e desvalidos – também age com muita benevolência com os crimes de colarinho branco. Como as ações tramitam como muita lentidão – contribuindo para a prescrição dos crimes – é quase impossível um processo criminal contra um político chegar ao fim no Judiciário, que acaba sendo a tábua de salvação de dezenas de parlamentares que devem explicações à Justiça.

No Congresso Nacional, os projetos da área criminal são apresentados somente em início de legislatura, em períodos de comoção nacional ou quando um fato atinge diretamente a elite econômica brasileira.

Os parlamentares com visão humanista e dispostos a reverter a imagem depreciativa e negativa do criminoso, não encontram vias de acesso para influir nessa transformação urgente e necessária. Há um abismo entre o discurso e a apresentação de projetos. Percebe-se que o efetivo combate ao crime não é uma prioridade parlamentar. Apenas 7% das matérias do Legislativo Federal tratam do tema.

Durante os últimos cinco anos, foram apresentadas apenas 20 propostas voltadas para a melhoria das condições dos presídios e para a ressocialização dos presos, embora o Congresso Nacional detenha dados importantes sobre o sistema carcerário, cuja falência se escancarou com a realização dos mutirões realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A iniciativa do CNJ atingiu o Maranhão, onde foram identificadas inúmeras distorções, que inviabilizam o efetivo cumprimento da Lei de Execução Penal no Estado. Não exige muito esforço constatar que as mazelas do sistema carcerário podem ser atribuídas ao Executivo – que não faz os investimentos necessários; ao Legislativo, cuja preocupação é voltada apenas para a aprovação de leis de afogadilho; e ao Judiciário, que faz uso exagerado do instituto de prisões cautelares.

A corrupção é um crime pouco discutido no Congresso Nacional, embora esteja muito presente nas duas casas legislativas da esfera federal. Foi significativo o número de casos de corrupção nas últimas legislaturas, com destaque para o chamado “mensalão”, que consistiu no pagamento de uma ‘mesada’ para deputados votarem a favor de projetos de interesse do governo Lula. A prática foi denunciada pelo então deputado, agora cassado, Roberto Jefferson. O esquema ainda não foi totalmente esclarecido e até hoje tem desdobramentos.

Outro caso de corrupção envolvendo parlamentares, que teve muita repercussão na época, foi o episódio “dólares na cueca”. José Adalberto Vieira, assessor do deputado estadual José Nobre Guimarães (PT-CE), irmão do atual deputado José Genoino (PT-SP), foi detido com US$ 100 mil escondidos sob a cueca. Ainda havia R$ 200 mil em uma maleta. O caso foi o estopim para que Genoino – já desgastado com as denúncias de seu suposto envolvimento com o ‘mensalão’ – renunciasse à presidência do Partido dos Trabalhadores (PT).