A conjunção de fatos foi rara: um magistrado gaúcho acordado, no meio da noite, pelos ruídos causados por um ladrão que vasculhava a residência. O meliante foi preso em flagrante e condenado recebendo pena que - na avaliação do cidadão-juiz - foi branda.
Esse mesmo cidadão, vítima da violência que assola o país, publicou - sem arvorar-se ostensivamente de sua condição de magistrado - uma candente matéria paga: Terra de Ninguém". As informações são so site Espaço Vital.
O texto foi impactante: "agora eu entendo a revolta da população com a atuação do Poder Judiciário. Realmente, as pessoas estão com a razão quando dizem que em Cruz Alta pode-se furtar, roubar e até matar que ´não dá nada´".
Uma representação disciplinar contra o juiz foi levada a julgamento pelo Órgão Especial do TJRS, no último dia 9. Ficou vencido o relator, que votava pela instauração do procedimento, sendo acolhidas as razões de defesa, para a partir do voto da desembargadora Maria Isabel de Souza, reconhecer que a pública e contudente publicação foi "a reclamação de um "cidadão" vítima da violência, que não agiu como magistrado, afastando-se, assim, a aplicabilidade da Loman".
Disso resultou o arquivamento da representação. (Proc. administrativo nº 0010-08/002344-
1).Os antecedentes do caso
* Em 07 de abril de 2008, o juiz Ralph Moraes Langanke, da comarca de Panambi (RS) - mas que reside na vizinha Cruz Alta (RS) - acorda-se de madrugada com os latidos de seu cão e, na sala da residência, depara-se no escuro, com um ladrão dentro de casa, agachado, mexendo na pasta de trabalho do magistrado. Que susto!
* "Não é preciso dizer que a cena é assustadora, surreal, pois todos acreditamos que, pelo menos dentro dos nossos lares, estamos protegidos dessa corja de marginais" - afirma o juiz.
* Preso e processado, Eliackim Lopes Murussi, atuais 24 anos, já com antecedentes criminais (duas condenações transitadas em julgado) recebe uma pena de um ano, quatro meses e 20 dias de reclusão no regime aberto. A sentença é da juíza Andrea Hoch Cenne. O Ministério Público e o réu apelam.
* Inconformado com a pena aplicada ao ladrão, o cidadão-juiz Ralph Moraes Langanke pergunta na matéria paga publicada : "até quando verdadeiros facínoras vão ser tratados como ´príncipes pelos juízes criminais”? E exterioriza: "eu tive oportunidade de ´fazer justiça com as próprias mãos”´ou de deixar que a minha cadela Hottweiller o fizesse, mas acabei não fazendo nada contra o assaltante, acreditando que a justiça, poder ao qual pertenço, seria feita".
* A Ajuris manifesta-se em defesa dos juízes que prestam jurisdição em Cruz Alta e, em artigo publicado no Diário Serrano (o mesmo onde publicada a crítica inicial), afirma que "o fato de não ter havido sentença nos moldes em que a vítima esperava não evidencia ausência de justiça".
* O caso repercute no meios da magistratura gaúcha e da Advocacia de Cruz Alta e adjacências. Um procedimento disciplinar é aberto contra o magistrado Langanke. Ele se defende por escrito.
* Entrementes, a 5ª Câmara Criminal do TJRS dá provimento, em parte à apelação de Eliakim e reduz a pena para nove meses, em regime semi-aberto, ao reconhecer que o crime ocorreu sob a forma tentada. O recurso do Ministério Público - pedindo o agravamento da condenação - é improvido.* No dia do julgamento do procedimento disciplinar contra o juiz Langanke (09 de março de 2009), pelo Órgão Especial do TJRS,o advogado de defesa - que é o juiz aposentado Plínio Caminha de Azevedo - salienta a tese de que o reclamo e a crítica contra a insegurança foram os brados de um cidadão no exercício do seu direito. Por 24 x 1 votos, o TJRS concorda e arquiva a representação disciplinar.
* O advogado do magistrado - ouvido pelo Espaço Vital - escusando-se por não entrar em detalhes, afirma que "meu cliente não vai mais se manifestar sobre o caso, até mesmo porque pretende esquecer tudo o que de desagradável aconteceu".
Leia a íntegra da sentença"O réu apenas se apoderou dos objetos, os quais não saíram da esfera de vigilância das vítimas"
ACÓRDÃO DO TJRS QUE FIXA A PENA DE NOVE MESES AO LADRÃO"O emprego de violência ou grave ameaça contra a vítima é situação que não veio suficientemente comprovada nos autos".
Veja a íntegra da nota da Ajuris, publicada em resposta à matéria-paga"A magistratura do RS vem lamentar o ocorrido"