segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Por que a ajuda para o desenvolvimento fracassou na África?

O auxílio ao desenvolvimento na África existe há décadas, mas os resultados têm sido irrisórios. Em vez disso, os que recebem a ajuda se tornaram meramente dependentes e a iniciativa se extinguiu. Chegou a hora de reformar o sistema.

O auxílio ao desenvolvimento da África é uma bênção para todos os diretamente envolvidos – tanto para quem doa quanto para quem recebe. Os funcionários do lado dos doadores, pelo menos os que vivem no exterior, ganham um bom dinheiro. Muitas das pessoas do lado que recebe, por sua vez, sabem como organizar as coisas de forma que seus próprios interesses pessoais não sejam negligenciados.

Não há motivos para que esses dois grupos queiram mudar o status quo. Mas mesmo assim, algumas pessoas desse meio estão começando a sugerir que a situação não pode continuar como está. O auxílio ao desenvolvimento oferecido nos últimos 50 anos é dificilmente justificável se forem levados em conta os resultados desapontadores, dizem. Mesmo os doadores individuais, que sabem pouco sobre como funciona o trabalho de auxílio ao desenvolvimento na prática, percebem cada vez com mais frequência que deve haver algo errado.
Eles estão certos. O auxílio fracassou de forma ampla.

Nós assumimos muita responsabilidade sobre a resolução dos problemas africanos. Nós essencialmente os educamos a pedir ajuda estrangeira quando surgem problemas, em vez de tentarem encontrar soluções por si mesmos. Essa atitude se tornou profundamente enraizada na África. Essa incapacitação é um dos resultados mais lamentáveis da cooperação para o desenvolvimento até agora. O auxílio mal planejado para o desenvolvimento tornou as pessoas dependentes e acostumadas a uma situação de assistência perpétua, evitando que elas mesmas tomem iniciativas. É esta situação que representa o maior prejuízo, bem maior do que as imensas perdas materiais provocadas pelos projetos falidos de ajuda. E há muitas mais. A África está repleta de tratores parados, equipamentos arruinados e prédios abandonados.
Equívocos profundamente enraizados

Do nosso lado, existe a visão de que somos responsáveis por desenvolver a África. Na 2ª Conferência sobre Política Internacional de Desenvolvimento em agosto de 2009, o então presidente alemão Horst Köhler, experiente e dedicado ativista pelo desenvolvimento da África, falou sobre uma parceria estabelecida entre a Alemanha e a Nigéria no setor energético dois anos antes.

Sua conclusão: “Não consigo discernir se a quantidade de eletricidade na Nigéria aumentou desde então. E acho isso uma vergonha para os países industrializados, assim como para os responsáveis na Nigéria, que este grande país, rico como é em recursos, não consiga avançar seu desenvolvimento socioeconômico porque ainda não conseguiu levar eletricidade às áreas rurais. Acho isso uma vergonha para toda a cooperação para o desenvolvimento que existe há décadas.”

Nesse caso, o fato de Köhler mencionar os países industrializados antes da Nigéria ao discutir a responsabilidade pelo fracasso é notável. Mais notável ainda, entretanto, é o fato de ele mencionar os países industrializados. Será que somos nós que devemos nos sentir envergonhados porque um dos maiores exportadores de petróleo do mundo não é capaz de fornecer eletricidade para suas áreas rurais? Basta fazer a pergunta para mostrar o quão absurda é a ideia – e como o equívoco está enraizado.

Essa mentalidade assistencialista, arraigada nos países industrializados há décadas, viola diretamente o princípio de subsidiariedade. Esse princípio estabelece que aqueles que fornecem ajuda, quer seja privada ou governamental, não devem assumir nenhuma tarefa que poderia ser feita pelo próprio país recebedor. Além disso, ele determina que a ajuda seja dada de forma que os que ajudam possam interrompê-la o quanto antes.

Da boca para fora

O princípio da subsidiariedade deveria ser a chave para planejar a cooperação desde o começo. Na realidade, ele teve um papel muito pequeno.
O lado doador certamente não tem escassez de teorias, estratégias inteligentes ou conceitos – as agências de desenvolvimento internacional têm gavetas cheias disso. O que falta é um entendimento básico e clareza ao aplicar os princípios. A percepção de que os países do norte não podem desenvolver o sul – de que as pessoas e sociedades só podem fazer isso por si mesmos – é bastante difundida da boca para fora. Na prática, entretanto, a ideia praticamente não tem nenhum papel.

Os especialistas em desenvolvimento enviados à África vêm de sociedades que tendem valorizar a eficiência e a rapidez num grau bem maior do que o encontrado normalmente na África. Além disso, os funcionários de ajuda estrangeira, como regra, só passam alguns anos no país escolhido. Seu desejo de “conquistar algo” costuma levá-los a fazer mais do que deveriam levando em conta o princípio de subsidiariedade. Mas ao fazer isso, eles inibem o ritmo africano e impedem que o continente se fortaleça.

Uma outra falha no princípio de subsidiariedade é vista na existência não só das imensas agências de desenvolvimento nacionais e internacionais, desde a Sociedade Alemã para a Cooperação Técnica (GTZ) até o Banco Mundial, mas também numa miríade de organizações privadas pequenas e grandes que cobrem o continente com sua rede de obras de caridade.

Potências ocupantes - Estas são as verdadeiras potências ocupantes do período pós-colonial.

O segundo tema do princípio subsidiariedade diz que a ajuda deve se tornar dispensável o mais rápido possível. Só na Alemanha, a sobrevivência de cerca de 100 mil pessoas depende do setor de ajuda ao desenvolvimento. É possível imaginar o problema que resultaria desmantelar essas agências. Mas é exatamente esta que deveria ser a razão de ser dessas agências. Depois de décadas de fornecimento de ajuda, a continuidade de sua existência é a prova de seu fracasso.

É contrário à lógica da subsidiariedade dar a uma pessoa aquilo que ela poderia adquirir ou produzir por conta própria. Mas na esperança de fazer o bem, fizemos exatamente isso e com muita frequência nas últimas décadas, quer tenha sido ao dar um moinho de grãos para um vilarejo ou um conselho de especialistas em desenvolvimento para um ministério de governo. Uma porção considerável da ajuda bilateral alemã, de mais de 1,5 bilhão de euros (US$ 2 bilhões) por ano, é oferecida como fundo – em outras palavras, como um presente. De fato, todos os países menos desenvolvidos tendem a receber ajuda estrangeira dessa forma. Dois terços dos países da África subsaariana pertencem a esta categoria.

Esses presentes perpétuos transformaram os parceiros em pedintes que não mais valorizam as coisas que recebem e, consequentemente, não cuidam bem delas. Fora algumas exceções, e a ajuda de emergência é um exemplo, o auxílio gratuito foi e continua sendo fundamentalmente errado.

A questão do dinheiro

A ajuda oferecida sem nenhuma condição rouba a competência dos recebedores. O método resultou num divórcio com a realidade na África, em todos os níveis da sociedade. É hora de acostumar nossos parceiros à normalidade – aqueles que querem iniciar um projeto mas não tem os fundos necessários para isso, precisam conseguir um empréstimo e pagá-lo de volta. De fato, é aí que o auxílio do exterior pode fazer uma contribuição significativa: garantindo que todos aqueles comprometidos com o desenvolvimento tenham acesso a empréstimos, e particularmente apoiando os programas de microcrédito.

A urgência dos funcionários de ajuda estrangeiros para produzir resultados rapidamente promove um pensamento quantitativo e negligencia os esforços para que a população local aprenda a se desenvolver por conta própria. Um exemplo dessa noção errônea é o objetivo entre as companhias doadoras, adotado há 40 anos, de doar 0,7% do PIB para a ajuda ao desenvolvimento.

Não faz sentido estabelecer quantias antes de discutir os projetos que deveriam ser financiados com esse dinheiro. A pior coisa dessa discussão é que, mais uma vez, é puramente quantitativa. Ela alimenta a atitude desastrosa de que mais dinheiro necessariamente significa mais desenvolvimento. Dessa forma, as lições aprendidas durante as últimas décadas são totalmente ignoradas.

Em vez disso, pessoas como Bono e Bob Geldof têm acesso aberto a nossos governos, onde propagam a ideia de “mais dinheiro” - e onde se tornam obstáculos para o desenvolvimento africano.

Nada a fazer com o dinheiro da ajuda

É mais fácil avaliar números do que os efeitos qualitativos da ajuda para o desenvolvimento. Não podemos desenvolver os outros. Só o desenvolvimento endógeno – aquele que as pessoas e sociedades atingem por conta própria com o poder de suas próprias mentes e mãos – merece esse nome. Ninguém pode se tornar desenvolvido a partir de fora.

Muitos argumentariam que quando a ajuda de desenvolvimento leva canos de água e estradas para a África, ela estimula e fortalece os esforços locais. Mas talvez o oposto seja verdade, e quanto mais nós fazemos, é mais provável que nossos parceiros cruzem os braços, porque a ajuda estrangeira está cuidando das coisas para sua satisfação. Embora isso tenha se mostrado verdade milhares de vezes, funcionários da ajuda ao desenvolvimento ainda ignoram isso de forma sistemática.

Derramar outros bilhões em fundos para o clima, a Aids e outros problemas pode, na verdade, ser necessário. Mas isso não tem nada a ver com a ajuda para o desenvolvimento. Esses pagamentos não farão com que líderes políticos no Sahel, por exemplo, façam um esforço maior para combater a erosão do solo por conta própria. Esses países poderiam ter começado a fazer algo sobre o problema há muito tempo – eles poderiam até mesmo ter usado suas massas de jovens desempregados para o trabalho. Mas até agora, nos casos em que algo foi feito, isso geralmente foi produto da iniciativa estrangeira e não endógena.

Nossa ajuda para o desenvolvimento não ofereceu apoio suficiente para os esforços dos próprios africanos. Normalmente ela tem sido um impedimento, porque nossa ajuda se concentrou muito mais no objeto e bem pouco no sujeito. Com frequência o projeto ou programa, e não as pessoas, foi o foco. A ajuda ignorou as pessoas. O resultado deixou a África numa posição indigna – e nenhuma quantia de dinheiro da enorme e globalizada rede mundial de organizações de ajuda libertará o continente. Só os próprios africanos podem fazer isso.

Kurt Gerhardt trabalhou como jornalista para a estação pública de rádio alemã WDR de 1968 a 2007. Como ex-diretor do Serviço Alemão para o Desenvolviemnto (DED) para o Níger no Oeste da África, ele tem experiência direta com o oferecimento de ajuda à África. Ele é cofundador da iniciativa política “Educação Primária no Terceiro Mundo” e da Associação Makaranta, ambas apoiam a educação primária na África. Ele também ajudou a iniciar o “Apelo Bonn” por políticas alternativas de desenvolvimento.

Fonte: Der Spiegel (Kurt Gerhardt)
Tradução: Eloise De Vylder